A torcida pelo fracasso no Brasil é quase uma
instituição nacional.
É impressionante observar a quantidade de pessoas no país
torcendo para que a Copa do Mundo resulte num retumbante fracasso, sem levar em
consideração que o Brasil está inserido numa ordem mundial e o fracasso deste
tipo de evento fatalmente irá comprometer o prestígio do país por muito tempo.
Sucesso e fracasso tem pesos diferentes na cultura
dos povos. Países como os Estados Unidos cultuam o sucesso como doutrina. O
americano médio tem orgulho por seu país liderar o mundo e ama pessoas bem
sucedidas porque elas representam a força do país. O termo “loser” (perdedor)
nos Estados Unidos é uma grave ofensa pessoal. No Brasil, ao contrário, temos o
hábito de desconfiar do sucesso como se este fosse resultado de atividades
escusas, espertezas ou sorte. A crença no preparo, na inteligência, na boa fé,
na perseverança e na honestidade é frágil.
Temos um Estado que parece odiar quem empreende e
cria todos os obstáculos possíveis e imagináveis para dificultar-lhe o sucesso.
Uma imprensa que trabalha com a lógica que jornalismo de qualidade deve ser
sempre de oposição, sempre crítico, sempre cáustico o que reforça a visão de
que nada funciona e tudo está sempre errado. Quem busca se informar tem a impressão
que o mundo esta permanentemente em crise, que a sociedade caminha à beira de
um abismo de incúria e violência e que a economia irá sucumbir no próximo
trimestre. Não está no DNA da imprensa dar boas notícias, mas a cultura do
brasileiro de falta de compromisso com o bem público e a dificuldade de lidar
com normas e regras ética e moralmente aceitáveis só fazem potencializar a
visão negativa das coisas.
Empresários bem sucedidos no Brasil são vistos com
desconfiança. Gente como um Steve Jobs ou um Jeff Bezos não seriam admirados
nem exemplos por aqui. Prevaleceria uma visão distorcida de que são pessoas que
se deram bem porque tinham um amigo no governo ou tiveram sorte e conseguiram
uma mamata qualquer. Vemos com certo prazer a derrocada de um Eike Batista
independente de sua história e do seu mérito e nem tomamos conhecimento de
pessoas como Carlos Alberto Sicupira, João Paulo Lemann ou Abilio Diniz.
Cientistas, pesquisadores, grandes profissionais,
empreendedores bem sucedidos das mais diversas atividades são personagens
periféricos e sem importância em nossa cultura. Somos o país da malandragem,
não dos grandes feitos. Gostamos da Mulher Melancia com sua bunda e daquele
atleta do nosso time favorito que sem ter o segundo grau completo conseguiu um
contrato milionário com um clube europeu. Temos admiração por quem consegue
algum sucesso pulando etapas como a da educação, por exemplo.
A cultura da malandragem e a
responsabilidade objetiva
Não enxergamos mérito em nossos adversários, nada
do que fazem merece nossa melhor avaliação. Não temos a coragem de ver mérito
em nossos oponentes porque acreditamos que ter esta atitude é reconhecer que
somos menores e menos capacitados. Falta-nos grandeza. Na política escolhemos
os piores, os mais espertos, os malandros, os sem caráter, porque nos
identificamos com estes personagens. Não importa que o sujeito esteja na lista
da Interpol e condenado em toneladas de processos. Criminalizamos a política
sem entender que estes personagens existem porque nós os elegemos, somos
responsáveis por eles.
O brasileiro tem este lado negativo, mórbido de
torcer para que algo não funcione porque acredita que não será ele quem
usufruirá dos benefícios. A torcida para que os estádios não fiquem prontos,
para que o planejamento falhe, para que os transportes não funcionem e todas as
desgraças possíveis e imagináveis esta no subconsciente de muitos brasileiros
de forma natural. Produzimos o “wishful thinking”, a professia autorrealizável,
se todo mundo desejar a coisa toda se concretiza pela força do desejo. Não
vencemos nossos oponentes oferecendo argumentos melhores ou um projeto
superior, mas, por ação ou omissão, contribuindo para que fracassem. E quando
acontece ocorre o que os alemães chamam de “Schadenfreud”, um grande prazer em
ver a desgraça de quem não gostamos, sem saber que em nosso inconsciente o
prazer pelo fracasso expõe nossa incapacidade em vencer, em acreditar no
sucesso.
O pior é que não nos sentimos responsáveis como
povo, responsabilidade significa comprometimento e no fundo fomos educados para
transferir responsabilidades, descrer do mérito, do esforço, porque no fim tudo
se ajeita, Deus provê. A malandragem é uma lógica aceitável. Fazemos discursos
moralistas e éticos para nossos filhos e logo em seguida damos um golpezinho na
conta do restaurante na frente deles. Somos incapazes de dizer ao garçom que
ele se esqueceu de lançar na conta o suco de laranja que consumimos, afinal os
caras também empurraram o couvert que não pedimos.
Gostamos de andar pelo acostamento, furar fila,
sentar no banco exclusivo para gestantes no ônibus, estacionar na vaga de
deficiente nos shoppings, passar no sinal vermelho, humilhar nossa empregada
doméstica, adoramos uma indicação política e odiamos concursos. São muitos os
exemplos que demonstram quanto esta mentalidade esta enraizada em nós.
Os contratos e o sistema de
justiça
Vemos isto também no âmbito das corporações.
Observe as grandes corporações no mercado brasileiro, como tratam seus
clientes, como os enganam com cláusulas contratuais abusivas, promoções
mandrake e atendimento de quinta categoria. Fingem observar as leis e os
direitos dos consumidores, mas contam-se aos milhares os clientes com queixas
absurdas de bancos, operadoras de telefonia, planos de saúde, companhias aéreas
e assim por diante. Os contratos no Brasil são rigorosos nas responsabilidades
do consumidor e flexíveis nos deveres das empresas. Nosso sistema de justiça
foi construído para não funcionar. Temos uma justiça seletiva extremamente dura
e inclemente quando julga cidadãos mais vulneráveis e omissa e leniente quando
julga cidadãos do topo da pirâmide social. Como a justiça não funciona, os
espertos sempre se dão bem logo ser esperto no Brasil é um meio de vida.
A generalização é sempre ruim porque nivela toda
população pelo comportamento do que julgamos ser uma parcela, mas já vivi o
suficiente neste país para entender que o silêncio dos que não compactuam com
esta realidade é quase um endosso a ela. Afinal, quem defende coisas como
mérito, responsabilidade, honestidade, senso de dever, compromisso com os
contratos e com o país costuma fazer papel de tolo, de otário.
Complexo de vira-latas
Nelson Rodrigues cunhou o termo “complexo de
vira-latas” para definir nossa baixa autoestima depois do fracasso na Copa de
1950 e em seguida para definir como o brasileiro se colocava diante do mundo. O
tempo passou, a sociedade evoluiu, o país cresceu e Nelson Rodrigues continua
mais atual do que nunca. Como povo continuamos um tanto vira-latas, afinal num
país onde todos são espertos no fim acaba que somos todos otários. Daí torcer
para que a Copa do Mundo não se realize, que tenhamos uma crise de energia em
escala nacional e que o fornecimento de água em São Paulo seja racionado é tão
simples quanto acreditar que os venais atuando como parlamentares no Congresso
Nacional foram indicados pelo Presidente da Fifa.
Autor: José Tadeu Gobbi
Fonte: JusBrasil